Amarildos & gGigantes

1 Amarildo, 2 Amarildos, Amarildos sem conta

                            e Gigantes hibernando

Amarildos e Gigantes são a mesma pessoa

                            entretanto

Mortes que fazem nascer o mesmo sol de todos os dias

Guerras políticas, sensíveis, escandalosamente pacíficas.

E o patrocínio de gigantes que não dormem nunca

                                               Que não morrem nunca

Mais 3 Amarildos agora – não, são mais 50

Que ninguém sabe e ninguém viu

Não interessa, são Gigantes sem importância, Gigantes invisíveis e Gigantes minúsculos

São mais alguns números que se apresentam

                                               Ou não

                            pra a gente poder enterrar

Não se importe. Não se estresse. Não se perturbe.

                                              Não nos perturbe

Números. Números. Números. Gente, não há

Amanhã haverá mais milhões de Amarildos

E depois de depois de depois de amanhã

Pois o silêncio da morte reconforta como música

A PM ESTÁ A SERVIÇO DE QUEM? – Sobre a manifestação de 17/jun em BH

Tá ouvindo o som?

São 20, 30, 40, 50, 60 (quem é que sabe?) mil jovens na cidade de Belo Horizonte em todas as faixas da Avenida Antônio Carlos; tocando, cantando e fazendo um som que movimenta involuntariamente o corpo de todo mundo que está ali na avenida e que, imediatamente, faz cada pessoa abrir um sorriso – às vezes sem nem saber por quê.

Demorou, mas aconteceu

Você pensa. E move suas pernas ao som de uma música de vários ritmos misturados, percorrendo toda aquela avenida que praticamente só conhece pés na sua transversal. E encontra tantas pessoas conhecidas no caminho! Se entusiasma com aquele menino de 15 anos que carrega o cartaz “SAÍ DO FACEBOOK E VIM PRA RUA!”.

Mas, peraí, alguma coisa aconteceu

É a PM que não quer deixar a gente passar. Dizem que a partir dali não pode porque é território da FIFA, ao que a juventude toda responde de boca aberta: O QUÊ??? Mas, como nosso movimento é pacífico, nós respeitamos. Nos juntamos para avaliar o que vamos fazer.

Puta que pariu!

Você pensa. O estádio foi construído com dinheiro público. A reforma do estágio foi feita com dinheiro público. E querem impedir 20, 30, 40, 50, 60 mil! pessoas de passar por lá! O que é mesmo essa tal de democracia???

Então alguém decide que é pra ir

E vamos! Sendo recebidas e recebidos pela famosa bomba de gás lacrimogêneo que nos faz andar ao contrário de nossa direção. A solidariedade das e dos mais prevenidos é despertada e elas e eles salvam a vida de pessoas como esta que vos fala… Nos afastamos bastante do limite imposto pela polícia para nos recuperarmos do gás – e permanecemos distantes. Ela vai se aproximando com o gás lacrimogêneo e vai nos afastando ainda mais do tal limite que a tal FIFA impôs. Seu helicóptero voa baixinho, bem próximo das nossas cabeças, enquanto um dos infelizes aponta a arma para nós. Querem nos assustar, definitivamente. E conseguem!

Percebendo que é a parte mais fraca, sem chance nenhuma sobre a outra parte, você dá um desconto e pensa: tudo bem, a polícia está fazendo o trabalho dela de proteger aquilo que devia ser (mas que não é) do povo a partir de ordens que não vem do povo… De repente, os homens “simplesmente” mudam de idéia e decidem autorizar a gente a passar por aquele que costumava ser o nosso caminho. E vamos de novo em direção a Abrahão Caram!

Mas… A poesia não dura mais muito tempo. A gente passa, anda um pouco – e eles nos param de novo, usando mais uma vez as bombas de gás lacrimogêneo. Percebemos que entraram soldados atrás de nós, separando a marcha em duas ou em mais partes. Há muito medo, correria, confusão por parte das e dos manifestantes que não entendem qual é a da polícia. Nos mandam ocupar apenas a faixa do meio da avenida e assim fazemos, sem saber o que está acontecendo. Alguns soldados se deslocaram para atrás de nós e outros para cada uma das laterais. Parecia ser uma estratégia de guerra. Não, era estratégia de guerra que estava sendo usado ali. Contra nós, os inimigos, manifestantes. Objetivo??? – ninguém sabia.

Bem, apesar da presença de soldados nas laterais e atrás de nós, o caminho à frente está realmente liberado. Tanto que chegamos até a certa altura da Avenida Abrahão Caram sem qualquer resistência. Entretanto, nesse ponto, eles nos param – de novo!. E ficamos paradas/os ali.

Fico ali por bastante tempo. Mas o clima está super tenso. Há pessoas que estão cara a cara com os soldados e penso: – Meu deus, isso vai dar merda! Parece que a polícia está tentando garantir que dê merda!. Estou com medo, estou cansada e quero ir embora. Mas minha casa fica do outro lado do caminho que fizemos. Imaginando que os soldados deveriam ter, finalmente, liberado o acesso pela Antônio Carlos em direção ao Centro, decido… ir embora. Temo que os mais exaltados não suportem a pressão da polícia – que arrisquem e que sejam mortos ou gravemente feridos, o que certamente provocaria mais mortes e mais ferimentos graves – a merda!. Descendo a Abrahão Caram na direção da UFMG, vejo que há manifestantes em cima do Viaduto José Alencar. Parece ser o lugar mais seguro para ficar agora, penso.

Ao me aproximar da entrada da UFMG, vejo que há soldados espalhados, há manifestantes e sigo com a esperança de conseguir ir para casa. De repente, todo mundo começa a correr! Os soldados estão jogando as bombas e estão atirando! Na bagunça, nos amontoamos todas e todos na entrada bloqueada da UFMG e os soldados aproximam nos empurrando e atirando. MESMO. Alguns trabalhadores que estão passando por ali e que gritam o seu medo e a sua revolta são protegidos por pessoas que estão na parte de dentro da UFMG. Apesar do medo e do nervosismo, me lembro de pensar em como é bonita a solidariedade que ainda se faz presente na guerra. Rs. Presos e frágeis naquele portão, estamos à mercê dos soldados. Algumas pessoas apanham – eu sou violentamente empurrada. Há muita violência no modo como nos expulsam daquele (e de todos!) os lugares! Fico me perguntando quem é que está dando as ordens e de onde vem a raiva dos policiais. O que estão projetando em nós?

Fico com muito medo. Alguns manifestantes começam a jogar pedras nos soldados enquanto correm para longe deles. “N-ã-o j-o-g-a p-e-d-r-a!”; “n-ã-o j-o-g-a p-e-d-r-a!”, alguns/mas gritam. “Não dá motivo!”. Mas então é assim? Sem motivo algum, eles armam uma tocaia para nós para ficarmos sem saída; nos agridem e ameaçam com bombas de efeito moral, com gás lacrimogêneo, com balas de borracha e nós devemos simplesmente ajoelhar e esperar o pior acontecer sem nos defender? Sem nos defender?

Nem todo mundo concorda com isso. Alguns continuam jogando pedras, putos da vida. Outros arrancam placas e outras coisas que encontram nas ruas. É verdade que existe “vandalismo” em algumas manifestações. Mas também é verdade que, em meio a guerra, as pessoas usam o que encontram para se defender. E estamos, com certeza, numa guerra!

Me dirijo de novo para a Abrahão Caram para ver se consigo ficar menos tensa e me sentir menos ameaçada lá. Me aproximando novamente do Viaduto José Alencar, vejo que os soldados expulsaram de lá quem deles tentava se proteger e tomaram seu lugar. Lá de cima estão atirando e jogando bombas e gás. Eu corro, mas percebo que o menos arriscado é ficar no meio do caminho – bem na esquininha na Antônio Carlos com a Abrahão Caram. Há outros quatro manifestantes lá, assistindo. Também, não tem mais muito que fazer.

Cá embaixo, atiram contra quem ainda está lá em cima. Os soldados que estão embaixo sobem no viaduto partindo para o confronto direto com as e os jovens que ainda estão lá. Foi nessa hora que o menino de 18 anos caiu. PORQUE NÃO TINHA LADO PARA ONDE CORRER! E ninguém entendia a razão das táticas de guerra para uma manifestação pacífica que só queria chegar até o Mineirão – ou voltar para a Praça Sete! E o jogo já tinha acabado fazia tempo…! Para quê tudo aquilo?

Me sinto ameaçada por aqueles que deveriam me proteger… Curioso, não? Também é por isso que a sociedade brasileira dormiu por tanto tempo – apesar de eu não estar tão certa ainda de que “O Gigante” está assim, realmente, tão acordado. Mas fato é que a população tem medo. E tem medo porque há motivos reais para ter medo. Tem História. Tem ameaças. Tem força. Não é a ditadura dentro da tal democracia?

Percebendo que não tenho mesmo para onde sair; com medo daqueles que teoricamente deveriam me defender, eu tento me proteger no alto do viaduto, depois que os soldados já saíram de lá. Lá em cima há outras pessoas como eu – sem saída – e alguns policiais que, aparentemente, já se cansaram da guerra. Assistimos aos últimos acontecimentos, esperando que tudo acabe bem. Eu só espero pelo momento em que será possível passar para o outro lado, para chegar a minha casa que nem está tão longe dali… Só às oito horas da noite (mais de duas horas depois que o jogo acabou no Mineirão!) consigo fazê-lo.

***

Vimos na semana passada a presença dos tais “vândalos” nas manifestações que ocorreram em todo o país? Acho que sim. Mas eram todos “vândalos”? Não. Era, pelo menos, a maioria? Não.

Os acontecimentos da segunda-feira, 17 de junho, em Belo Horizonte, mostraram com bastante clareza como “as autoridades” brasileiras estão acostumadas a lidar com o direito de toda e todo cidadão brasileiro de reivindicar direitos. A polícia agiu como se estivesse numa guerra e utilizou armas quando elas nem se faziam necessárias – e quando nem havia “vândalo” nenhum. Nos deixou sem saída e amedrontou quando já nem pensávamos mais em avançar em direção ao Mineirão. A maioria de nós só queria ir para a Praça 7, onde outras/os manifestantes já se encontravam (aqueles que ficaram do outro lado da marcha dividida ou que decidiram voltar quando os soldados estavam de bom humor) – alguns/mas queriam só voltar pra casa. Quem deve ser protegido pela polícia? O que é democracia? – foram as questões que mais se fizeram presentes para mim naquele momento.

Muita gente diz que “o gigante acordou”. Se ele dormiu – e dormiu tão profundamente por tanto tempo – foi também porque foi ensinado pelos governos, pela História, que é melhor se aquietar, se pacificar – porque há risco de morrer. De verdade. Foi isso o que a PM tentou demonstrar naquele dia. Que ela tinha a força, que ela decidia, que nossos governantes decidiam independentemente do que nós, cidadãos e cidadãs, contribuintes, povo, quiséssemos. Porque conseguimos o direito ao voto… Mas muito pouco além disso!

Por sorte, parece que O Gigante não está querendo voltar a dormir…!

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 Mapa do Google Maps – Antônio Carlos com Abrahão Caram antes da construção do Viaduto José Alencar

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O viaduto é mais ou menos isso (foto da Prefeitura de Belo Horizonte antes da construção do viaduto)

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Como ficou o trânsito próximo à Av. Antônio Carlos com Av. Abrahão Caram